Os 2520
Escrito por Steve Wohlberg
[Outubro 2011] Os “2520” têm sido discutido em minha igreja local. Depois de ler os argumentos de ambos os lados da controvérsia, aqui está minha (presente) perspectiva. Nota: este artigo não foi escrito para o público geral, mas, sim, para aqueles que já estão familiarizados com o tópico.
Primeiramente, aqueles que apoiam os 2520 concluem que:
1. Existe uma profecia divina embutida em Levítico 26.
2. Levítico 26:18 diz que se Israel desobedecesse a Deus, Ele iria puni-lo “sete vezes” por seus pecados. Estas “sete vezes” deveriam ser interpretadas como “sete anos” ou 2520 dias (baseado no calendário Hebreu de 360 dias por ano) e, então, baseado no princípio de um dia por um ano, ver os 2520 como anos proféticos.
3. Os 2520 começaram em 677 a.C. (compreensão de Guilherme Miller, quando o rei Manassés de Judá foi levado para Babilônia), e terminou em 1844.
4. A profecia dos 2520 é uma “segunda testemunha” para a profecia das 2300 tardes e manhãs, porque ambas terminam em 1844. Esta “segunda testemunha” é necessária para manter a integridade da profecia das 2300 tardes e manhãs; porque pela “boca de duas ou três testemunhas será confirmada toda palavra” (2 Coríntios 13:1).
5. Os Adventistas esqueceram os 2520 e precisam começar a ensiná-los novamente.
Alguns argumentos principais usados para apoiar as conclusões acima mencionadas são:
1. Ellen White escreveu que Deus direcionou Guilherme Miller em seus estudos no início do século XIX.
2. Guilherme Miller acreditava na profecia dos 2520 baseado em seus estudos de Levíticos 26.
3. Ellen White escreveu que Deus direcionou a publicação dos diagramas mileritas de 1843 e 1850, e ambos os diagramas contém a profecia dos 2520 (baseados na compreensão de Miller).
4. Ellen White também afirmou que estes diagramas cumpriram Habacuque 2:1-4.
Depois de ler argumentos de ambos os lados desta controvérsia, aqui está minha (atual) posição:
1. Eu li Levítico 26 muitas vezes no último mês e minha honesta avaliação é que o mesmo capítulo não apoia facilmente o ensino de que as “sete vezes” representam “sete anos”, ou 2520 dias, ou 2520 anos. Por quatro vezes (versos 18, 21, 24, 28) Deus disse que iria punir Israel “sete vezes” por seus pecados se ele O desobedecesse. As palavras usadas indicam que estas seriam quatro sequências de “sete vezes”, separadas; sendo cada queda com uma severidade crescente se a punição precedente falhar em produzir arrependimento. Além disso, a palavra original do Hebreu traduzida como “sete vezes” (sheba) é um advérbio (indicando intensidade), não um substantivo (indicando duração). Assim, a tradução apropriada da palavra “sheba” em Levítico 26 deveria ser “sevenfold” (sete vezes), não “seven times” (sete tempos) representando “sete anos”. [Nota da Tradutora: não temos o mesmo problema que a língua inglesa neste verso, pois na nossa tradução, a Bíblia já diz “sete vezes” e não “sete tempos” – a palavra “times” em inglês pode ser traduzida como “vezes”].
2. Números 14:34 é a primeira vez em que o princípio de um dia por um ano é mencionado na Bíblia. Mas em Levítico 26, isto não é mencionado, nem mesmo insinuado.
3. O livro de Juízes revela que muitas das maldições listadas em Levítico 26 já haviam começado a cair sobre Israel muito antes de 677 a.C.
4. As setenta semanas/2300 tardes e manhãs proféticas começam com uma clara e facilmente reconhecível “ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém”. (Daniel 9:25). Levítico 26 não contém tal claro ponto de partida para uma suposta profecia dos 2520.
5. Levítico 26 é também cheio de declarações condicionais “se… então” (veja os versos 3, 4, 23, 24, 27, 28, 40 e 42). “Se” Israel obedecer, bênçãos virão. “Se” não obedecer, maldições seguir-se-ão. Assim, o livre arbítrio está envolvido. Isto fortemente sugere que o aviso de Deus – “Eu os ferirei sete vezes” – não pode ser uma linha de tempo profética de um dia por um ano com claras datas de início e fim. Em contraste, a linha de tempo das 70 semanas/2300 tardes e manhãs é incondicional, com pontos de partida e fim facilmente identificáveis.
6. Em Babilônia, Daniel percebeu que a profecia dos 70 anos de cativeiro de Israel estava próxima de terminar (Daniel 9:2). Sua oração (versos 3-19) reconhece que as maldições registradas “na lei de Moisés” (verso 13) tinham assaltado Israel, mas ele ainda tinha esperança de que elas logo terminariam e que Israel seria restaurado (verso 17). Tal esperança seria impossível se Daniel pensasse que as maldições de Levítico 26 continuariam por 2520 anos! Durante o governo da Pérsia, as maldições foram revertidas, Israel retornou para casa e, mais uma vez, Deus colocou Seu “tabernáculo” (veja Levítico 26:11) entre eles. Agora as bênçãos vieram.
7. Quando o próximo diagrama profético foi publicado em 1863 (o ano em que a IASD foi organizada), os 2520 foram deixados de fora. Desde 1863 até hoje, a Igreja Adventista do Sétimo Dia nunca reconheceu oficialmente os 2520 como uma profecia real.
8. Uma razão para tal foi porque Tiago White rejeitou os 2520. Em 26 de janeiro de 1864, num artigo da Review, ele afirma que a teoria dos “2520” não é bíblica. Urias Smith, no Apêndice do seu livro Daniel e Apocalipse, pp. 784-785 concorda com Tiago. Ambos acreditavam que o advérbio “sheba” significava intensidade, não duração; que a profecia dos 2520 carece de apoio bíblico e que os Adventistas não deveriam pregá-la.
9. No Grande Conflito, capítulos 18-24, Ellen White escreveu com muitos detalhes sobre a vida de Guilherme Miller, sobre como ele descobriu a profecia das 2300 tardes e manhãs, e sobre a história do Movimento do Advento e, ainda assim, ela nunca mencionou os 2520 nem uma única vez. Se tal profecia realmente existisse e fosse significante, então por que ela não a mencionou em seu mais importante trabalho quando discutindo sobre os mileritas? Não apenas isto, mas durante seu inteiro ministério de 70 anos ela nunca mencionou a profecia em lugar algum.
10. Eu não vi nenhuma prova convincente de que a linha do tempo profética das 2300 tardes e manhãs precise ter uma “segunda testemunha” para validá-la, ou ainda que esta testemunha tenha que ser os 2520. A afirmação original “da boca de duas ou três testemunhas” é aplicada aos casos de processos civis (veja Deuteronômio 17:9), não linhas de tempo proféticas. Outras aplicações bíblicas não as aplicam tampouco às linhas de tempo proféticas (veja João 8:17; Mateus 18:16; 2 Coríntios 13:1). Mas mesmo que a profecia dos 2300 anos precisasse de uma “segunda testemunha” para validá-la, parece-me que Apocalipse 10 e 14, e a existência da Igreja Adventista por si mesma (que desenvolveu-se da profecia das 2300 tardes e manhãs) mais do que bastariam. Então, há ainda os períodos de tempo de 1260, 1290 e 1335 (Daniel 12:7, 11, 12), os quais, quando interligados, também apontam para 1844, providenciando ainda mais apoio. O fato é que desde 1863 até o dia de hoje, evangelistas Adventistas não precisaram dos 2520 para validar nem a profecia dos 2300 anos, nem o Movimento Adventista em geral.
Os proponentes dos 2520 podem ainda argumentar: “Mas Ellen White disse que os anjos guiaram Guilherme Miller. Miller acreditava nos 2520. A profecia dos 2520 estão nos dois primeiros diagramas. Ellen White endossou ambos os diagramas; mais ainda, ela disse que os diagramas mileritas cumpriam a profecia de Habacuque 2:1-4. Sendo assim, os 2520 devem ser uma importante profecia de Deus”.
Esta sequência de argumentos soa bem, mas o maior problema que eu vejo é que sua conclusão final (que a profecia dos 2520 deva ter vindo de Deus) não possui nem mesmo um “Assim diz o Senhor” para apoiá-la. Tal raciocínio também negligencia a questão principal de que Levítico 26: 18, 21, 24, 28 não apoiam realmente os 2520 de nenhuma forma. “Não há período profético em Lev. XXVI,” escreveu Tiago White na Review, e tentar “imaginar que tal coisa exista” é como “bater no ar”. Urias Smith concordou. Sim, Ellen White escreveu que anjos guiaram Guilherme Miller, e a mão de Deus estava sobre os diagramas mileritas, mas ela também escreveu que os anjos de Deus guiaram Tiago White e “fiscalizaram” a Review.
“Eu vi que o jornal periódico [Review and Herald] avançaria e que seria o meio de trazer almas ao conhecimento da verdade. Vi que Tiago não havia suportado o fardo sozinho, mas que anjos de Deus o haviam assistido e haviam fiscalizado o periódico.” 8 MR, 221.
Adicionalmente, com relação aos diagramas mileritas sendo o cumprimento de Habacuque 2:1-4, note cuidadosamente o que Ellen White, na verdade, escreveu em O Grande Conflito:
“Já em 1842, a ordem dada nessa profecia, de escrever a visão e torná-la bem legível sobre tábuas, a fim de que a pudesse ler o que correndo passasse, havia sugerido a Carlos Fitch, a preparação de um mapa profético a fim de ilustrar as visões de Daniel e do Apocalipse. A publicação desse mapa foi considerada como cumprimento da ordem dada por Habacuque.” O Grande Conflito, p. 392.
Olhe cuidadosamente. Habacuque 2:2 diz: “Escreve a visão, e torna-a bem legível sobre tábuas” e Ellen White clarifica que o propósito principal do “mapa profético” era “ilustrar as visões de Daniel e do Apocalipse”. A profecia das 2300 tardes e manhãs é uma parte da “visão” dada por Deus (veja Daniel 8:1, 2, 17) a qual qualifica-se como o cumprimento de Habacuque 2:1-4. Mas não há nenhuma “visão” em Levítico 26. Tudo isso sugere que o apoio de Ellen White a Guilherme Miller, os mapas iniciais, e até mesmo as “figuras” dos mapas, primeiramente dizem respeito à “visão” das 2300 tardes e manhãs, não aos 2520. E em sua explicação no Grande Conflito sobre estes detalhes, isso é o que ela foca, sem mencionar os 2520 nem uma vez sequer.
A missão bíblica da Igreja Adventista do Sétimo Dia é proclamar a “mui firme, palavra dos profetas” (2 Pedro 1:19) e as Três Mensagens Angélicas ao mundo (Apocalipse 14:6-12). Para fazer isso eficazmente, nossos fatos devem ser sólidos. Sim, Deus direcionou os mileritas, mas depois em 1844 Ele também começou a dar direção direta à Ellen White cujos conselhos sempre apontavam novamente para a Bíblia; e em seus 70 anos de ministério público, ela nunca mencionou especificamente os 2520 nem uma única vez. É óbvio que o Adventismo como um todo não mais acredita nos 2520, e parece-me que há duas razões possíveis para isso: 1. Os 2520 foram perdidos de vista por causa de uma falha Adventista, ou 2. Crescente luz e um cuidadoso estudo da Bíblia levaram os Adventistas a perceberem que os 2520 eram, na realidade, não bíblicos, desnecessário e uma distração desafortunada da nossa mensagem bíblica principal. Presentemente, eu favoreço o último, e detesto ver pessoas dividas por causa desta questão. Uma coisa é certa: “Pregue a palavra” (2 Timóteo 4:2) é nosso mandato.